Vitória do Cofen contra o Cremerj garante autonomia profissional da Enfermagem e direito de escolha das gestantes brasileiras
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e reafirmou hoje, 20/8, a legalidade de assistência ao parto domiciliar por enfermeiras obstétricas. “É uma retumbante vitória não apenas da Enfermagem, mas sobretudo das mulheres brasileiras”, comemora o presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Manoel Neri. A ação 0051041-07.2018.4.02.5101, movida pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), buscava impedir as enfermeiras Halyne Pessanha e Heloísa Lessa de prestar assistência ao parto humanizado ou qualquer outra prática obstétrica.
“Eu me sinto leve. Fiquei muito assustada, é claro, porque o lobby médico é absurdo, mas a lei é soberana. Prevaleceu o direito das mulheres. O parto é um evento fisiológico, não é propriedade dos médicos”, afirma Heloísa Lessa, doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Embaixadora dos Direitos Humanos no Parto pela Human Rights in Childbirth. Desde 2018, a enfermeira lidava com a ofensiva judicial do Cremerj.
“Durante seis anos estou sendo processada apesar de não ter cometido nenhum delito. Vencemos, mas quem venceu mesmo são as mulheres, que têm o direito de dizer como e com quem querem ter seus bebês. Vamos em frente na luta por partos seguros, sem violência obstétrica!”, celebra Heloísa, que desde junho integra a Câmara Técnica de Enfermagem em Saúde da Mulher do Cofen.
A assistência de enfermeiras obstétricas ao parto normal é uma realidade no Brasil e no mundo. “O efeito prático de uma vitória do Cremerj seria o fechamento das Casas de Parto e a impossibilidade de parto domiciliar assistido”, explica a vice-presidente da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo-RJ), Sabrina Seibert.
O investimento em profissionais de Enfermagem obstétrica tem o potencial de salvar 4,3 milhões de vidas no mundo, a cada ano, até 2035, segundo estimativa no Relatório Situação Mundial da Obstetrícia, publicado pelo Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA/ONU). A presença da enfermeira obstétrica reduz a probabilidade de intervenções desnecessárias, aumenta a segurança do parto e satisfação das mulheres com a experiência de gestar e parir, sendo um dos pilares do movimento pela humanização do parto, desde o início do século XXI.
Legalidade de parto assistido por enfermeiras
O Cofen tem obtido sucessivas vitórias judiciais contra o corporativismo médico, assegurando o livre exercício profissional, o direito de escolha das mulheres e a prevalência do interesse público sobre o privado. Em outubro de 2023, em ação movida pelo Cofen, a Justiça revogou a resolução 348/2023 do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), que impedia, ilegalmente, a atuação de médicos em parto domiciliar. As resoluções Cremerj 265 e 266/2012 já estavam suspensas desde 2020, após ação civil pública movida pelo Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren-RJ), com apoio do Cofen, da Defensoria Pública da União (DPU) e do munícipio do Rio de Janeiro.
Em julho deste ano, o TJBA determinou, em decisão de segunda instância, a indenização a Carla Porto e Jeane Queila Marques, enfermeiras obstétricas impedidas de prestar assistência a gestantes na Santa Casa de Misericórdia (Hospital Manoel Novaes), em Itabuna, na Bahia.
Legislação garante autonomia profissional
A assistência à gestante, o acompanhamento do trabalho de parto e a execução do parto sem distócia estão entre as atribuições dos enfermeiros generalistas enquanto integrantes das equipes de Saúde, conforme o artigo 11 da Lei 7498/86. Os enfermeiros obstétricos e obstetrizes, especialistas em parto normal, têm autonomia profissional na assistência, conforme o artigo 9º do decreto 94.406/87. A resolução Cofen 737/2024 normatiza os parâmetros para atuação profissional no parto domiciliar planejado.
As consultas de Enfermagem obstétrica são, inclusive, parte do rol de procedimentos de cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde. A escuta atenta é base da consulta de Enfermagem.
Fonte: Ascom/Cofen – Clara Fagundes